Disciplina - Geografia

Geografia

13/06/2011

Um olhar brasileiro sobre os vários orientes

Luiza Caires
Continente diversificado, de antigas – e desenvolvidas – civilizações, a Ásia ainda não motiva uma produção científica intensa por parte de historiadores brasileiros. Para unir os pesquisadores que já trabalham com temas da região e estimular a multiplicação desses estudos, foi criado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP o Laboratório de Estudos da Ásia (LEA). Um dos coordenadores do laboratório, o professor Angelo Segrillo comenta que entre as principais dificuldades encontradas na busca desse objetivo está a questão das línguas. Principalmente para um historiador – que não pode resumir suas atividades em ler textos e livros sobre um país, e sim também buscar as informações originais. Mas Segrillo faz um contraponto: “Isso não deveria necessariamente ser um empecilho, pois a Europa tem diversas línguas e mesmo assim as pessoas aprendem as línguas nativas e estudam o continente”.
Uma parceria com o Departamento de Letras Orientais, da FFLCH, tem colaborado no desafio dos idiomas, como conta o professor: “Essa ponte é muito boa, eles estimulam o estudo dos idiomas entre nossos pesquisadores e, por nossa vez, levamos a eles uma visão mais histórica, com atividades conjuntas, como seminários ou mesmo em conversas, trocas informais”.
Se a dificuldade com os idiomas asiáticos é herança de uma história que sempre foi mais eurocêntrica, o LEA visa também a amenizar tal visão restrita do mundo. “A questão não é ficar colocando Ásia contra Europa, quem é melhor, mas simplesmente mostrar que a história deve ser mais aberta, não pode ser unilateral”, explica o docente.
Na mesma linha, Carolina Ribeiro, monitora do grupo de Oriente Médio do LEA, argumenta que estamos em um mundo cada vez mais imbricado, principalmente na área econômica. “Coisas que acontecem do outro lado do planeta nos afetam, então não temos como achar que vivemos isolados”, diz. Para ela, dentro da política internacional, o Oriente Médio está sempre em voga, e é importante entender sua complexidade. “Recentemente assisti a um documentário que mostrava como Hollywood transformou os árabes em vilões, até em filmes infantis, como Alladin. Temos que tomar cuidado para não acabar comprando esses estereótipos aqui no Brasil”, completa.
Orientalismo – Apesar da unidade geográfica, a Ásia está longe de constituir um todo homogêneo – por isso, na opinião do professor Segrillo, também não pode ser analisada unificadamente. “Em um livro chamado Orientalismo, o intelectual Edward Said critica o estudo do ‘Oriente’ como se fosse uma coisa só. E não existe mesmo ‘o oriental’, um indiano e um chinês são tão diferentes entre si quando um indiano e um europeu”, defende.
Assim, a Ásia é um mundo rico, com culturas bem variadas, que têm que ser estudadas separadamente. Também nesse sentido, o LEA se organizou em três grandes grupos de trabalho (GTs): GT Rússia e Ásia Central, GT Oriente Médio, que inclui também outros países do mundo muçulmano, como o Egito, e GT Ásia em geral, que contempla o restante do continente.
Os grupos são voltados para quem já faz ou pretende fazer uma pesquisa relacionada, mesmo que de fora da FFLCH, e cada um deles conta com sua dinâmica e atividades próprias. Nos dois primeiros, coordenados pelo professor Segrillo, o participante elabora seu projeto de pesquisa próprio e vai desenvolvendo-a ao seu ritmo, sob orientação do docente. Na primeira parte das reuniões mensais, cada um apresenta os progressos feitos no seu trabalho individual, e na segunda parte é discutido um texto comum a todos.
Já o GT de Oriente Médio, coordenado pelo professor Peter Demant, realiza reuniões com discussões baseadas em uma bibliografia comum, e também promove o debate de materiais audiovisuais, como filmes. O laboratório organiza ainda palestras voltadas ao público geral. “A ideia das palestras, com temas mais abertos, é chamar as pessoas, despertar seu interesse de pesquisarem sobre a Ásia”, justifica Segrillo. A próxima delas, no dia 1o, será “A China no Século XXI: contradições do capitalismo vermelho”, com Charles Pennaforte.
Temas em pauta – Uma das regiões que ainda desperta atenção dos estudiosos sobre história da Ásia é a Rússia. “A Rússia não é mais a União Soviética, uma superpotência, mas ainda é uma grande potência – até porque tem armas nucleares e isso tem que ser levado em consideração, assim como sua posição geográfica, entre a Europa e a Ásia”, comenta o professor Segrillo sobre o país que estuda há vários anos. Ele ressalta também a peculiaridade das nacionalidades. “Lá a nacionalidade é baseada no direito do sangue, dos pais, não no direito do solo, do lugar onde se nasceu. Isso eterniza as diferenças que nós aqui nós chamamos de ‘étnicas’ – são quase cem nacionalidades distintas na Rússia”, explica, lembrando que, se por um lado isso gera uma riqueza cultural imensa, por outro, cria potencial para tensões.
 A China é outra potência que atrai cada vez mais atenção. “Já se fala que, em 20 anos ou menos, com a crise econômica atingindo os outros países, ela será a primeira economia do mundo”, afirma Segrillo. Um dos pesquisadores do LEA, o mestrando em geografia Aniel Lima, analisa a geopolítica das relações chinesas, mostrando que o desenvolvimento da China, ao contrário da União Soviética, é bem descentralizado: são diferentes estratégias aplicadas nas diferentes regiões da nação.
Outra integrante do laboratório, a doutoranda em Sociologia Miriam Oliveira, se encontra atualmente na Índia, e estuda a questão da migração dos indianos pelo mundo. Particularmente, como isso é visto pelo governo local: para alguns a a emigração leva a Índia para o mundo, e já existem empresas indianas gigantes. Outros porém, apontam o problema do brain drain, a “fuga de cérebros” para os países desenvolvidos.
No GT sobre Oriente Médio e mundo muçulmano há pesquisadores com estudos sobre Egito e Turquia, o papel da mulher no Islã, o conflito Israel-Palestina, as relações políticas com os Estados Unidos, entre outros assuntos da atualidade. São temas como esses que serão discutidos no próximo projeto do LEA: o primeiro livro. Com um título que remete à própria razão de ser do LEA, A Ásia no Século XXI: olhares brasileiros será publicado no segundo semestre, em parceria com o Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais (Cenegri), do Rio de Janeiro.
Esta notícia foi publicada em 05/06/2011 do sítio Jornal da USP. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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