Disciplina - Geografia

Geografia

07/06/2011

Estranhos em uma terra de imigrantes

Gabriëlle Philogène e Bernadin Laurette eram conhecidas distantes no Haiti. No Brasil, passaram a conviver como uma família. As jovens de 27 e 30 anos vieram para o Sul dispostas a estudar Agroe­­cologia na Lapa (PR), no começo de 2010. Viveram um ano confuso na cidade, vieram para cá com poucas informações a respeito do curso – que acabaram não fazendo – e o que deveria ser uma temporada de estudos no exterior vi­­rou uma sequência de desafios. A começar pela língua: chegaram aqui falando apenas o francês e levaram tempo para se adaptar ao português. Às dificuldades impostas pelas diferenças culturais, se somaram empecilhos burocráticos e um be­­bê. Determinadas a continuar no Brasil até encontrar uma opção de estudo, as haitianas não ti­­nham visto nem permissão para trabalhar. A saída foi pedir ajuda financeira para os familiares.
Segundo observa Tatyana Frie­­drich, doutora em Direito Inter­­nacional, a legislação brasileira é bem rígida em relação à concessão de permissões para trabalho. A Lei 6.815 determina que só deveriam ser admitidos profissionais que têm especialidades não existentes no Brasil. “Na prática, o ba­­lizamento pela Constituição e a consideração dos Direitos Huma­­nos deixam essa regra um pouco mais flexível”, explica Tatyana. A lei, que regula a entrada de estrangeiros no país, é de 1980, época da ditadura militar, quando o país era governado por João Figueiredo.
Gabriëlle descobriu que estava grávida quando chegou ao Brasil. Distante da família e do pai da cri­­ança, a filha nasceu há seis meses em território nacional, facilitando o acesso de Gabriëlle ao visto permanente. No entanto, até ho­­je, ela aguarda o processo para obter a papelada necessária à re­­gularização no Ministério do Tra­­balho. No meio desse processo, ela conheceu a Pastoral do Migrante (leia mais nesta página), que pres­­tou auxílio nos processos burocráticos e pessoais. Assim, Gabriëlle e Bernadin se mudaram da Lapa para Curitiba. Todas essas dificuldades contribuíram para estreitar os laços entre as amigas. Pela Pastoral, elas conheceram outras pessoas em situações semelhantes e começaram a construir um novo grupo de afeto. Bernadin diz que há “gente muito boa” aqui. Mesmo estando adaptadas, e acreditando ter passado pelos obstáculos maiores, elas sentem falta da terra natal. “Haiti é meu país”, diz Gabriëlle.
Outro mundo
Comparados à história das haitianas, os imigrantes chineses vivendo em Curitiba têm menos contato com os brasileiros. Eles acabam se fechando em comunidades formadas por familiares e amigos. Marcelo, apelido usado por um chinês proprietário de uma pastelaria no Centro, estima que são milhares de chineses vivendo na cidade. “Percebemos a grande quantidade [de imigrantes] em festas que acontecem em fevereiro para comemorar o ano novo chinês”, diz Marcelo. Ele veio para o Brasil há cerca de dez anos para labutar na pastelaria de familiares. Faz dois anos que abriu o próprio negócio. Tra­­balha 14 horas por dia, de segunda-feira a sábado. A esposa de Mar­­celo, também chinesa, veio pouco depois. Juntos, tiveram filhos brasileiros que, hoje, já vão à escola. O casal não sabia português e ainda hoje tem dificuldade com a língua. Veio com autorização pa­­ra turismo e não se naturalizou. Mora na Rua Voluntários da Pá­­tria, região marcada pela presença de orientais. Na primeira quadra da rua, entre a Pedro Ivo e a Emiliano Perneta, são seis pastelarias entre outros tipos de comércio.
A maioria dos imigrantes asiáticos que escolhem Curitiba para viver vem de Quang Dong, região no sudeste da China. O visto para o Brasil é difícil de conseguir em território chinês por causa da procura, que é grande. Muitos conseguem permissão para entrar em países vizinhos da América Latina e depois atravessam fronteiras terrestres até aqui.
Vizinhança
Olga Herrera, paraguaia de origem, veio ao Brasil há 11 anos, quando o marido precisava de um tratamento médico. Insta­­lou-se aqui e hoje dá aulas de guarani no Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Tem filhos brasileiros, mas não se naturalizou, o que seria um processo importante pa­­ra a carreira profissional, afinal, ela teria de ser brasileira para trabalhar como efetiva na UFPR. Olga afirma que a documentação é “complicada e cara”. O custo total de um processo de naturalização chega facilmente à casa dos milhares de reais. Segundo a ad­­vo­­gada Fernanda Belotti Alice, o valor varia de acordo com vários fatores, como taxas administrativas, quantidade de documentos, serviços de cartórios em diversos países e trabalho dos advogados, de acordo com as necessidades de cada imigrante.
As histórias narradas pela re­­portagem revelam alguns dos rostos que ocupam as ruas e avenidas de Curitiba, capital de um estado historicamente marcado pelos imigrantes. São rostos saídos do cotidiano da cidade que devem aparecer cada vez mais em estatísticas, estudos acadêmicos e páginas de livros de História.
Esta notícia foi publicada em 02/06/2011 do sítio Gazeta do Povo . Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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