Disciplina - Geografia

Geografia

05/04/2011

Retratos da Revolução, aos Cem Dias

Por Antônio Martins
Em 17 de dezembro de 2010, Mouhamed Bouzazi, um vendedor ambulante tunisino de 26 anos, postou uma mensagem no Facebook, ateou fogo ao corpo (ele morreria em 4 de janeiro) e acendeu fagulha num barril de pólvora. Seu gesto desencadearia uma onda revolucionária poucas vezes vista na História, numa das regiões mais tensas, ricas e oprimidas do planeta. O mundo árabe, visto costumeiramente como um lugar de estagnação política, tornou-se centro de reviravoltas, inovações e esperança. Cem dias depois, o futuro da revolução permanece em aberto. As mudanças já alcançadas são extraordinárias. Duas longas ditaduras – a tunisiana e a egípcia – caíram. Repressões brutais, com dezenas de mortos, não foram até o momento capazes de conter as multidões rebeladas no Iêmen, Bahrain e Síria (onde o ministério renunciou nesta manhã – 29/3 – e pode haver mudanças importantes nas próximas horas). A chama da revolta, embora temporariamente contida, continua acesa no Marrocos (cuja realeza tarda em implementar reformas anunciadas), Argélia e Jordânia.
Na Arábia Saudita, o velho soberano viu-se obrigado a oferecer múltiplos benefícios sociais, para tentar evitar o contágio de seu reino. Tudo indica que, a médio prazo (principalmente quando o Egito puder voltar-se para fora), os ventos da mudança questionarão a dominação israelense sobre a Palestina – onde manifestações de jovens começam a exigir o fim da rivalidade sectária entre Fatah e Hamas, os dois grupos políticos tradicionais. As novidades políticas são extraordinárias e repercutirão muito além do Oriente Médio. Na Tunísia, e principalmente no Egito, pode-se falar num novo tipo de revolução. Ela marca, como definia Trotsky, “a entrada forçada das massas no governo de seu próprio destino”. Mas quanta diferença, em relação aos objetivos e meios pensados pelo velho revolucionário russo…
As novas multidões não se organizaram em partidos – autoconvocaram-se horizontalmente, usando como ferramentas as redes sociais. Não parecem desejar a “conquista” do poder político – e, sim, condições para que todos possam construir, coletivamente, o futuro comum. Nem crêem que a superação do capitalismo possa ser feita num momento mágico, em que se tomam as fortalezas das velhas classes dominantes e se instaura um “poder revolucionário” – que passa a comandar a construção da nova ordem. Ainda assim – e, talvez, por isso mesmo… –, a ação dos jovens árabes subverte o modo hoje hegemônico de organizar a vida social. Toni Negri e Michael Hart notaram que, na Tunísia e Egito, o novo motor da transformação foi “a juventude altamente educada, cujas ambições são frustradas” pela mediocridade da vida quotidiana. Este novo sujeito social deseja “não somente acabar com a dependência e a pobreza, mas também empoderar e dar autonomia à população inteligente e altamente capaz”.
Mas tal desejo choca-se contra um capitalismo que concentra obsessivamente riqueza e poder. Por isso, imaginam Negri e Hart, só haverá saída se for possível “inventar” formas horizontais – portanto, pós-capitalistas – de administrar a produção social, a distribuição de riquezas e os recursos naturais. Em outras palavras, trata-se de constituir uma nova democracia, que permita optar todos os dias, não apenas nas eleições; e em que a multidão – ela própria, não seus “representantes” – assuma as decisões centrais. Esta invenção tende a se tornar um projeto comum da juventude – no mundo árabe, nas periferias das metrópoles latinoamericanas, nas universidades europeias, nos call-centers da Índia, nas fábricas da China. O desejo eclodiu primeiro no Oriente Médio, onde tomou forma de revolta. Lá, tudo é mais urgente, porque não havia nem a democracia de (cada vez mais) baixa intensidade que persiste no Ocidente. Porém, outras primaveras virão…
Leia o texto na íntegra.
Esta notícia foi publicada em 30/03/2011 do sítio Envolverde. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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