Disciplina - Geografia

Geografia

27/02/2010

Europa: A união marcha desunida

O mundo agora é multilateral, e reconhece um papel relevante às nações emergentes e aos que se esforçam por emergir. Há, por outro lado, um esboço de eixo Estados Unidos-China, apesar das graves divergências existentes. A frustrada 15ª Conferência sobre Mudança Climática de dezembro emitiu um forte sinal dessa mudança. Os Estados Unidos ignoraram ostensivamente a UE e se colocaram de acordo com a China para tomar decisões que, lamentavelmente, foram contrárias à defesa do meio ambiente. A verdade é que a UE – ou melhor dizendo, seus dirigentes – não conseguiram perceber o fenômeno Obama e a inovação que implica no cenário mundial. Assim como não souberam prever a crise global de 2007/08 nem, depois, aproveitar a grande oportunidade surgida para reformar o sistema neoliberal que gerou a recessão. Deixaram intactos os paraísos fiscais, facilitadores dos grandes negociadores e fraudes escandalosas, não se atreveram a punir os responsáveis, salvaram alguns bancos e corporações em quebra com o dinheiro dos contribuintes, enquanto não intervieram para combater o desemprego, as desigualdades e a pobreza. Com as coisas assim, podemos legitimamente perguntar se estamos a caminho de superar a crise, como alguns economistas propõem, ou, contrariamente, a recessão continuará, agravando os conflitos sociais.
Esperávamos que, com a ratificação do Tratado de Lisboa, a UE pudesse dar um passo adiante na frente institucional. Não foi assim, e o novo presidente europeu, Herman Van Rompuy e a representante para a Política Externa e a Segurança, a baronesa Catherine Ashton, não tomam a iniciativa, que, provavelmente, é o que desejam os dirigentes dos grandes países que os designaram. Diante da crise, os Estados da União agiram cada um por seu lado, em uma espécie de salve-se quem puder. Agora, diante dos ataques que estão afetando o euro, e do nervosismo que afeta as bolsas europeias, talvez finalmente percebam que é necessário um plano estratégico conjunto – ou, pelo menos, convergente – para que a situação europeia não caia em irremediável decadência. É certo que, no dia 4 deste mês, houve em Paris uma cúpula dos governos da França e da Alemanha (que pareciam discordantes) para coordenar algumas políticas comuns. Este passo sinalizou o reforço do chamado motor franco-alemão da Europa. Mas, segundo disse o presidente Sarkozy, a intenção foi o lançamento, bilateral, de 80 medidas para incrementar a cooperação entre os dois Estados. Assim – note-se –, foi ignorada a União à qual pertencem. É o contrário do sonho europeu dos Pais Fundadores.
Vamos deixar, os europeístas convencidos, que a UE se deteriore como parecem querer alguns de seus atuais dirigentes? Não notam os líderes da França e da Alemanha que, sem uma UE forte e coesa, pouco representarão no mundo que está emergindo? Não são sinais agradáveis. Tampouco o é que, de Bruxelas, sejam disparadas críticas públicas, primeiro contra a Grécia e agora contra os países da Europa do Sul, especialmente Espanha e Portugal, que em nada nos ajudam. Por acaso os países da Europa oriental (exceção à Polônia), os do Báltico e outros, como Irlanda, estiveram ou estão imunes aos graves efeitos desta crise mundial proveniente dos Estados Unidos? Em suma, se a União Europeia, como um todo, insiste em evitar uma resposta conjunta e solidária para a crise global, e que seja compreendida e assumida pelo povo europeu – em sua diversidade, incluída a população imigrante –, os próximos anos nesta segunda década do século XXI serão muito difíceis. Estará aberto o caminho para a decadência e estarão em perigo nossas liberdades e nossas conquistas sociais.
* Mário Soares é ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal.
Fonte: Envolverde
Publicado em 19/02/2010. Todas as modificações posteriores são de responsabilidade do autor do texto.
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