Disciplina - Geografia

Geografia

29/04/2009

Fazenda na torre

Os animais são criados, sacrificados e processados em uma fazenda de 40 andares. Parte da comida para os porcos é cultivada no edifício ou seus arredores, ou são dejetos recolhidos de processadoras de alimentos. O esterco é transformado em fertilizante ou biogás para calefação e produção de eletricidade. Cerca de 44 dessas torres poderiam produzir para atender todo o consumo de carne suína da Holanda, disse a companhia de projetos MVRDV, da cidade de Rotterdam. A “Cidade Suína” é o conceito mais provocador da Cidade das Cenouras, exibição de dois meses que vai até o próximo dia 30 dedicada à agricultura urbana, setor em rápido crescimento. Ainda não há uma empresa preparada para construir um edifício-chiqueiro. É possível que este conceito se torne realidade. Toda a mostra inspira um debate sobre fazendas urbanas e seu papel na produção de alimentos, tanto no Norte rico quanto no Sul pobre. A população mundial cresce, a terra fértil se perde, o combustível fica caro e escasso, e as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas para deter a mudança climática.A essas preocupações soma-se “uma crise de confiança” no atual sistema alimentar, disse Joe Nasr, um dos três professores da Universidade Ryerson de Toronto que organizaram a mostra. Este sistema “apresenta cada vez mais falhas”, afirmou. Os sinais de alerta incluem a recente e mortal contaminação de amendoim e pistache importados com bactérias. Estes assuntos, junto com o mal-estar pelo uso de produtos químicos e organismos geneticamente manipulados no setor, bem como a redução do valor nutricional dos alimentos, desatou o interesse pelos alimentos locais e pela agricultura “intensiva em pequenas propriedades”. Este fenômeno inclui a produção de frutas e verduras orgânicas em pequenos terrenos nos fundos das casas. No mundo em desenvolvimento, a escassez de alimentos é endêmica. De fato, a promoção da agricultura urbana começou nos países mais pobres. Espera-se que a mudança climática reduza ainda mais a produção. A expansão ao mundo industrializado é recente, embora date de tempos mais antigos. No centro de Toronto há o bairro conhecido como Cabbagetown onde em meados do século XIX imigrantes irlandeses tinham cultivos em seus quintais da frente de casa. No final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), 80% dos cidadãos norte-americanos cultivavam alimentos. Batatas e tomates germinavam nos jardins da Casa Branca durante a presidência de Franklin Delano Roosevelt. As idéias apresentadas pelos promotores da agricultura urbana – quase 50% delas em exibição na “Cidade das Cenouras” – vão da tecnologia comum e simples à de última geração e em grande escala. Nas ilustrações aparecem muitas idéias reais ou potenciais: parques, antigos depósitos, quintais residenciais, vastas áreas livres em torno de edifícios suburbanos de apartamentos e inclusive debaixo de viadutos. Outras propõem contêineres de fácil irrigação e oxigenação, sacolas gigantes cheias de terra para sítios temporários, galinheiros de baixa manutenção e pastagens verticais para pendurar na parede. A alta tecnologia criaria condições de cultivos ideais, sem risco de fracasso nas colheitas, de secas ou pestes, o que permitiria produzir muito mais alimento por metro quadrado do que uma fazenda convencional, segundo os promotores da mostra. Por exemplo, a produção de um hectare em uma fazenda vertical proposta para Dubai equivaleria a quatro ou seis hectares de terra, afirmam seus promotores. Boa parte dos criadores procura circuitos fechados, nos quais usem seus próprios dejetos como fonte de alimento, calor e energia, e onde se recicle e purifique a água usada, praticamente sem herbicidas, pesticidas e antibióticos. Também se reduziria drasticamente as emissões com as maquinas dos estabelecimentos agrícolas e o transporte para processadoras e mercados.O piso principal do Projeto Agropark poderia abrigar cem mil porcos. No sótão, o esterco alimentaria fungos e produziria biogás para aquecer os tanques de peixes. Flores cultivadas no piso superior absorveriam o dióxido de carbono dos criadouros de fungo. Por sua vez, seus resíduos ajudariam a alimentar o processador de biogás. No Vertiscape, projetado por um estudante de Ryerson, os comensais subiriam por um elevador de vidro até um restaurante no último andar que abrigaria vários pisos de cultivos e criadores de onde procederiam os ingredientes das refeições.Estas fazendas pretendem ser conectadas aos habitantes das cidades com a produção de seus alimentos, após décadas em que o agronegócio industrial globalizado transformou essa atividade em algo tão abstrato quanto um cálculo. “A agricultura vertical nos permite desenvolver dinamicamente o lugar onde vivemos”, abraçando a modernidade e voltando às raízes, segundo os idealizadores do projeto para Dubai. Embora essas raízes estejam a mais de 300 metros sobre a terra. A produção de alimentos poderia transformar a cidade. Seja em edifícios arborizados ou jardins nos quintais, “os projetos chamam a atenção e mudam a experiência de caminhar pela rua”, disse Mark Gorgolewski, professor de arquitetura de Ryerson. Estes projetos também têm uma dimensão político-social. O programa Lar de Cultivo de Chicago permite a ex-detentos cuidar de jardins e pastagens em quatro prédios vazios de um bairro pobre do sul dessa cidade. Enquanto os ex-detentos conseguem trabalho e capacitação, os moradores obtêm alimentos frescos. Mas, “as pessoas não consideram atrativas as fábricas de alimentos, nem como parte da paisagem”, disse uma das organizadoras da “Cidade das Cenouras’, June Komisar. A arquitetura urbana sofre “presunções baseadas na idéia de uma cidade suja”, acrescentou Nasr, dizendo que se considera “inseguro” o que ali existe. Nos países ricos, além do mais, enfrenta-se um estigma cultural: “A produção de alimentos e para os pobres, não para as pessoas modernas”. Falar de fazendas em edificios, particularmente em torres de frango ou porcos, gera desdém ou hostilidade. Mas, mesmo os jardins de frente das casas são difíceis de “vender” aos muitos que preferem a grama, que cobre 12 milhões de hectares dos Estados Unidos e cuja manutenção custa US$ 30 bilhões ao ano. “A que ponto chegamos, com o ato de cultivar nossos próprios alimentos sendo considerado mal-educado, impróprio, ameaçador, radical e até hostil”, escreveu Fritz Haeg, “projetista social” do Estado da Califórnia em seu livro “Imóveis comestíveis: ataque contra a grama da frente”. Segundo Grogolewski, o começo da agricultura poderia atender 30% das necessidades da população de baixa renda, mas com incentivos poderia chegar “a toda a cidade”. IPS/Envolverde

* Este artigo é parte de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (www.complusalliance.org).

(Envolverde/IPS)

Fonte: http://envolverde.ig.com.br
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