Disciplina - Geografia

Geografia

16/09/2008

Nossas vozes, nossos direitos, por um mundo sem muros

Hoje, quando comemoramos os sessenta anos da Nakba palestina, os 20 anos do início das mortes no Estreito de Gibraltar, os 35 anos do golpe militar contra o governo democrático de Salvador Allende; quando essa mesma legitimidade está gravemente ameaçada na Bolívia e convoca nossa consciência e solidariedade, e quando celebramos os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nós, mulheres e homens que somos parte de dois mil movimentos e organizações sociais de noventa países do planeta, nos reunimos em Rivas Vaciamadrid (Espanha), de 11 a 14 de setembro de 2008, sob o lema
NOSSAS VOZES, NOSSOS DIREITOS, POR UM MUNDO SEM MUROS
Nossas Vozes
Somos pessoas e organizações de migrantes, desalojados/as, refugiados/as; vítimas do tráfico de seres humanos e da trata; somos também movimentos e organizações sociais trabalhando junto a eles; somos sujeitos individuais e coletivos que, preocupados com o fenômeno migratório compreendido em sua integralidade, nos ocupamos em desenvolver ações comprometidas com a transformação radical das condições nas quais seres humanos se vêem obrigados a migrar, deslocar-se ou refugiar-se.
Nós, as pessoas migrantes, desalojadas e refugiadas e nossas organizações, nos constituímos em um novo sujeito político e em uma força social mundial que se consolida em este III Fórum Social Mundial das Migrações. Por tudo e com legítimo direito, levantamos nossas vozes para dizer:
Não ao crescente deterioro das condições de vida que causam impacto à maioria das pessoas do planeta, no Norte como também no Sul global e que impacta de maneira especial as pessoas migrantes, refugiadas e desalojadas dos diferentes continentes e, de maneira especial, os povos palestino, saharaui, colombiano, sudanês e iraquiano e as políticas cúmplices dos Estados Unidos, da Europa e da Espanha, em particular.
Não às migrações forçadas dos povos indígenas como resultado da expropriação de suas terras e dos mega-projetos agroindustriais, que trazem como conseqüência o desarraigo e a destruição de suas culturas.
Não às diferentes manifestações de racismo contra as pessoas e comunidades migrantes em todos os continentes e particularmente contra as pessoas na África Negra e a comunidade latina nos Estados Unidos
Não à reprodução e ao fortalecimento de um sistema patriarcal que, no contexto da feminização das migrações, aprofunda ainda mais a assimetria de gênero já existente e se traduz na continuidade da situação da mulher em trabalhos relacionados ao âmbito privado e ao cuidado de outros, em condições de escravidão.
Não aos projetos que estigmatizam, segmentam e excluem as pessoas migrantes e suas famílias e deterioram o tecido social comunitário e organizativo. Rechaçamos a pretensão de transformar as remessas em substituto de políticas estatais de desenvolvimento nos países de origem e em reforço ao circuito financeiro do capital, ampliando ainda mais as históricas assimetrias sociais, políticas, econômicas e culturais.
Não ao discurso midiático convencional que, desde os estereótipos, reforça a criminalização e a vitimização das pessoas migrantes como discurso hegemônico; a xenofobia, a discriminação e o racismo que se propaga a partir deles e que acrescenta essas condutas e práticas nas sociedades e países de trânsito e de destino das pessoas migrantes.
Não à globalização capitalista, neoliberal, concentradora e excludente, depredadora do ser humano e da natureza e que, em seu conjunto, representa a causa fundamental das migrações contemporâneas.
Nossos Direitos
Somos sujeitos que nos fazemos cargo de processos, analisamos e interpretamos a complexa realidade do fato migratório, desde o lugar do ser humano, de sua dignidade e da integralidade de nossos direitos humanos; imaginamos e colocamos em marcha iniciativas múltiplas e diversas e apostamos em nosso protagonismo histórico, pela construção de outra realidade:
Nas condições atuais do capitalismo mundial, as pessoas migrantes somos uma mostra evidente das desigualdades econômicas e sociais entre os países e dentro dos países. Situação que se aprofunda pela sincronia de uma crise mundial, multidimensional: econômica, ambiental, alimentar e energética.
A construção de muros geográficos, políticos, legais e culturais, como a diretiva européia da "vergonha" e outras leis públicas e disposições oficiais similares, são uma estratégia criminalizante que, por conseguir maior rentabilidade do capital internacional, elimina todos os direitos humanos. Para isso, recorre à externalização de fronteiras, à internalização mental através da perseguição, da humilhação e das deportações; das detenções arbitrárias; da impunidade policial fronteiriça e dos centros de internamento onde a violação dos direitos humanos é cotidiana.
Insistimos em que os acordos trabalhistas bilaterais e regionais inspirados no modelo filipino de programas temporários de trabalhadores hóspedes que, ao impedir o arraigo, anula qualquer possibilidade de reivindicar seus direitos, propiciando a sobre-exploração e desumanização das pessoas trabalhadoras, cumpram plenamente com as obrigações estabelecidas nos convênios 97 e 143 da OIT; sem o qual se aprofunda o deterioro integral do Trabalho Humano, com perda de seu valor salarial, social e jurídico, convertendo as pessoas migrantes em mercadorias.
Afirmamos a necessidade de defender, reivindicar, estender frente ao trabalho forçado, escravo e precário, o trabalho digno para uma vida digna, que integre liberdade, igualdade de tratamento e contra-prestações negociadas adequadas a todas as pessoas trabalhadoras.
Valorizamos as iniciativas de economia solidária que fortalecem o tecido associativo e contribuem com processos de economia social e desenvolvimento integral das pessoas. Rejeitamos sua utilização como instrumento para negar o direito a migrar.
Promovemos a cidadania universal e ratificamos o direito das pessoas à livre mobilidade como estabelece a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Por um mundo sem muros
Um mundo sem muros é uma condição essencial para construir outro mundo possível, o cumprimento pleno dos artigos 13 e 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma exigência e nos compromete a continuar em nossa luta pelos direitos de todas as pessoas migrantes.
Por isso, exigimos:
A assinatura, ratificação e execução da Convenção Internacional sobre os Direitos Humanos dos Trabalhadores Migratórios e de suas Famílias por parte dos Estados que ainda não o fizeram. Saudamos os Estados que o ratificaram e demandamos que adeqüem seu marco normativo nacional às exigências da Convenção. Saudamos o compromisso por parte dos governos municipais, iniciado pelo governo de Rivas Vaciamadrid de trabalhar na campanha em favor da ratificação.
O estabelecimento de um mandato ou procedimento especial dentro do sistema da ONU para suprir os vazios nos instrumentos existentes de proteção das pessoas migrantes, CMW (Comitê de Trabalhadores Migratórios), relator especial, ACNUR e o representante especial para as pessoas deslocadas internamente.
A derrogação da diretiva de retorno da UE, bem como de todos os instrumentos legais que permitem a detenção de migrantes no mundo; o desmantelamento do Frontex e de todos os dispositivos policiais e militares que securitizam as políticas migratórias e a fiscalização por parte de organizações sociais dos centros de internamento até seu fechamento definitivo.
Que as fronteiras do mundo deixem de ser espaços de impunidade nos quais as pessoas migrantes são objeto de todo tipo de violações, crimes e são obrigadas a assumir riscos que colocam em perigo suas vidas. Demandamos que os países de origem, trânsito e destino assumam sua responsabilidade para reverter essa situação.
A regularização de todas as pessoas migrantes sem documentos em todo o mundo.
O reconhecimento de outras formas de perseguição e a ampliação jurídica das causas que se reconhecem como asilo, refúgio e trata de pessoas, garantindo que as solicitações e os procedimentos cumpram com tudo o que está previsto na lei e centrem os direitos humanos desses coletivos. Igualmente, demandamos o cumprimento das condições que o Direito Internacional exige para o retorno dos refugiados.
A denuncia de todos aqueles convênios de expulsão, geralmente impostos aos Estados de origem ou trânsito que geralmente conlevam a graves violações dos direitos, ruptura familiar, represálias das autoridades do país de origem e um grave desarraigo das pessoas migrantes.
A anulação dos acordos e cláusulas de readmissão e o cesse de toda negociação de acordos desse tipo entre a EU e os países terceiros.
A promoção das pessoas e comunidades migrantes para que se organizem, se rebelem, denunciando toda forma de dominação e exploração e façam valer seus direitos, fortalecendo suas organizações e as redes de apoio mútuo.
O cumprimento da legislação internacional que garante a proteção adequada para as crianças, que são parte importante os fluxos migratórios internacionais.
A incorporação em nossas lutas da reivindicação de uma justiça meio ambiental e o reconhecimento e proteção jurídica dos refugiados, urgindo uma nova ordem mundial que promova a dignidade humana de todas as pessoas em sintonia com as potencialidades de nosso planeta Terra.
A aplicação de políticas que garantam a igualdade de oportunidades aprofundando mecanismos de inclusão que não dependam da situação administrativa das pessoas migrantes; de políticas que integrem nos serviços públicos a diversidade cultural das pessoas migrantes nos serviços públicos; de políticas a longo prazo para a integração dos jovens e para o alcance na equiparação dos direitos para os coletivos migrantes de LGTB e suas famílias.
O direito ao voto no âmbito municipal e a participação ativa na definição dos planos locais de desenvolvimento e o respeito à autonomia das organizações e movimentos sociais de tal maneira que o exercício pleno da cidadania das pessoas migrantes seja efetivo.
A participação política do migrante para incidir tanto na política interna quanto na política externa de um país de chegada a favor de seu país de origem, visibilizando os benefícios que as pessoas migrantes trazem, constituindo-se em sujeitos ativos.
A continuação do processo de redação coletiva da Carta dos Migrantes, bem como a de todos aqueles processos e iniciativas que signifiquem o fortalecimento da defesa dos direitos das pessoas migrantes.
A multiplicação e fortalecimento de meios de comunicação democráticos includentes que, desde as vozes das pessoas e comunidades migrantes, refletem adequadamente a complexidade da migração.
Queremos recuperar a dimensão do sujeito humano, da dignidade humana, evitando que a lógica mercantil afete nossa relação como movimentos sociais. Assumir que nossa identidade como migrantes, refugiados e desalojados não nega nossas outras múltiplas identidades e lutas.
Migrar não é um delito, delito são as causas que originam as migrações. Levantemos nossas vozes, defendamos nossos direitos, lutemos juntos para construir um mundo sem muros.
Rivas Vaciamadrid, setembro 13 de 2008.
III Foro Social Mundial de las Migraciones
Fonte imagem:http://www.plataformaongd.pt/site3/images
Fonte: www.adital.com.br
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