Geografia
26/11/2018
Aquecimento global
Metrópoles mais quentes e secas
No cenário mais pessimista simulado pelo último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), as emissões de gases de efeito estufa não parariam de aumentar até o fim do século e a temperatura média da atmosfera do planeta seria, em 2100, cerca de 4 °C maior do que a atual. Se esse quadro climático global se materializar nas próximas décadas, as temperaturas máximas poderão aumentar até 9 ºC no verão e a chuva se reduzir pela metade nas duas maiores regiões metropolitanas do país, São Paulo e Rio de Janeiro, e no município paulista de Santos, onde funciona o mais importante porto brasileiro. O valor das temperaturas mínimas nessas áreas também deverá subir aproximadamente 4 ºC até o fim do século, sinalizando a vigência de invernos menos frios.
Essas projeções para setores do Sudeste constam de um trabalho publicado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) na edição de abril do periódico Theoretical and Applied Climatology. “Se o cenário atual de emissão de gases de efeito estufa se mantiver, a probabilidade de os dados do estudo se tornarem realidade será provavelmente alta”, comenta o meteorologista André Lyra, que faz estágio de pós-doutorado no Inpe, primeiro autor do estudo.
A equipe brasileira realizou simulações do que poderá ocorrer com as temperaturas e os índices de pluviosidade nessas três áreas metropolitanas em duas possíveis conjunturas climáticas globais formuladas pelo IPCC: o cenário mais pessimista, denominado tecnicamente RCP8.5, e o mais otimista, o RCP4.5. Nesse segundo caso, as emissões de gases de efeito estufa parariam de crescer a partir da década de 2040. No entanto, mesmo quando esse quadro futuro menos alarmante é usado como pano de fundo para rodar o modelo climático de escala regional Eta, desenvolvido em parte pelo Inpe, os resultados das projeções não se alteraram substancialmente. Ainda assim, a temperatura máxima em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Santos sobe até 7ºC e as chuvas se reduzem pela metade, embora a diminuição de pluviosidade atinja uma fração menor da área das regiões metropolitanas. Esses cenários apresentam algum grau de incerteza, mas sinalizam que mudanças climáticas, mais ou menos intensas, são prováveis.
No trabalho, foi usada uma versão aprimorada do Eta com resolução espacial de 25 quilômetros quadrados (km2), equivalente a um quadrado com lados de 5 km de comprimento. A versão anterior do Eta tinha resolução de 400 km2 (quadrado com faces de 20 km). “O novo modelo é importante para entender melhor os impactos do clima sobre alguns aspectos da topografia da América do Sul”, afirma a meteorologista Chou Sin Chan, coautora do trabalho, também do Inpe. “Um estudo com resolução de 5 km possui maior nível de detalhamento que um de 20 km.” Nessa versão do Eta, há menos erros de cálculo para previsões climáticas feitas em áreas de topografia íngreme. Esse aprimoramento é importante quando se trabalha com áreas situadas perto de zonas montanhosas, como as serras do Mar e da Mantiqueira, que se encontram nos arredores da área do estudo.
As projeções do clima futuro nas três regiões metropolitanas foram confrontadas com dados do período histórico do próprio modelo, de 1961 a 1990, que serviu de base de comparação. As projeções foram divididas em três ciclos, 2011–2040, 2041–2070 e 2071–2100. Além da tendência geral de aumento de temperatura e de redução de chuvas, o trabalho aponta para a intensificação de eventos extremos, como secas prolongadas e tempestades mais intensas. Na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, as ondas de calor podem se estender por mais de 60 dias e as de frio se prolongar por mais de três dias por volta de 2100. O trabalho também aponta a tendência de haver dias e noites mais desconfortáveis nas três áreas analisadas, com alta demanda por equipamentos de resfriamento e elevado consumo de energia, tornando mais frequente um cenário que pode causar riscos potenciais à saúde de populações idosas e pobres.
“Os extremos afetam mais as nossas vidas”, considera a meteorologista Claudine Dereczynski, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coautora do estudo. “A ocorrência de mais situações desse tipo chama mais a atenção para as mudanças climáticas do que alterações na média da precipitação ou da temperatura.” Também é possível, segundo as simulações, que chuvas extremamente fortes se intensifiquem ao redor de áreas montanhosas e provoquem deslizes de terra frequentes até o final do século XXI. Para Claudine, as projeções futuras apresentam grau de confiabilidade maior no que diz respeito a variações de temperatura do que de pluviosidade.
O estudo enfatiza que a alta densidade populacional nas regiões metropolitanas do Rio e de São Paulo, onde vivem 33 milhões de pessoas, gera apropriação indevida e degradação intensa de recursos naturais. “Estudos sobre mudanças climáticas dependem muito da aceitação de diferentes setores econômicos e da conscientização da gestão pública sobre a importância de se desenvolver ações para mitigar os efeitos da emissão de gases de efeito estufa”, afirma o sociólogo Pedro Roberto Jacobi, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE- USP). “Observamos que os municípios até podem desenvolver ações de descarbonização em escala local, como o controle da erosão com alterações na legislação do uso do solo ou melhorias na política de resíduos sólidos. Porém, são necessárias medidas em âmbito global, que dependem de acordos entre países, para mitigar as mudanças climáticas.”
Esta notícia foi publicada no site Pesquisa Fapesp em nov. 2018. As informações são de responsabilidade do autor.