Geografia
15/05/2015
Tornados no Brasil
Xanxerê abre debate sobre desastres naturais
por Redação JC
Na última semana, a gravação de um sistema de câmeras de segurança foi foco de atenção na internet. Nela, podemos ver uma sala de jantar, repleta de mesas, cadeiras, cortinas, poltronas e, em especial, portas de vidro que permitem a visão total do jardim de uma residência. Lá fora, plantas denunciam a chegada de ventos incomuns. Cerca de 20 segundos depois, a ventania atinge seu ápice e irrompe a barreira de vidro, levando consigo cortinas, cadeiras e tapetes.
A gravação é uma das narrativas por trás do desastre ocorrido na cidade de Xanxerê, localizada no oeste catarinense. O município, com pouco mais de 47 mil habitantes, foi atingido por um tornado que devastou imóveis, vitimou três pessoas e deixou 97 cidadãos feridos. Segundo os últimos dados divulgados pela Defesa Civil de Santa Catarina, o número de desabrigados chega a 539, enquanto o de desalojados atinge a marca de 4275 pessoas.
Segundo relatórios oficiais, os prejuízos econômicos em residências alcançam a casa dos 50 milhões de reais, enquanto os danos em empresas superam os 45 milhões de reais. Já em edificações públicas, o tornado causou estragos estimados em 9,7 milhões de reais. Segundo o professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG-USP), Augusto José Pereira Filho, a “ocorrência de tornados na região resulta de condições atmosféricas muito especiais. Este fenômeno, embora pouco frequente, ocorre no local. Portanto, trata-se mais de uma variação do tempo e do clima”. Além disso, o professor explica que esses acontecimentos são mais frequentes na região sul do país, durante a primavera ou no outono, épocas em que o contraste térmico e a umidade favorecem esse tipo de fenômeno climático.
Formação de tornados
Apesar de o senso comum dizer que o Brasil é um país isento de desastres naturais dessa magnitude – como terremotos e tornados de maior intensidade -, estudiosos apontam o contrário. Xanxerê, por exemplo, encontra-se em uma região conhecida como “Corredor de Tornados”, que é composta pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Triângulo Mineiro e Mato Grosso do Sul. Fora do país, a área também cobre o norte da Argentina, além do sul da Bolívia, Paraguai e Uruguai.
A propensão por fenômenos desse porte na região se deve ao encontro entre massas de ar frio vindas da Patagônia com ventos tropicais formados na Amazônia ou massas de ar quente advindas do Oceano Atlântico. No encontro entre elas, a diferença de pressão e temperatura faz com que o ar quente – que tem uma tendência natural a se levantar – crie uma corrente para cima em formato de cone, gerando, assim, os tornados.
Seu grau de destruição, no entanto, depende de diversos fatores, sendo que o primeiro deles se refere à velocidade de atuação do tornado. A escala Fujita, principal indicador para essa característica, varia de F0 a F5, no qual os ventos superam a casa dos 500 km/h. No caso de Xanxerê, a variação de velocidade do tornado ficou entre 100 km/h e 330 km/h, segundo dados relatados pelo Inmet (Instituto Nacional de Metereologia), o que o coloca entre os níveis F2 e F3.
Detecção
Segundo um estudo feito pelo geógrafo Daniel Henrique Cândido, da Unicamp, no mínimo 205 tornados acometeram o país nas últimas duas décadas. Essa estatística, por fim, coloca o Brasil entre os países com maior número de ocorrências. Além disso, a pesquisa também aponta que São Paulo é o estado com maior número de tornados, sendo que o Rio Grande do Sul e Santa Catarina ficam com a segunda e a terceira colocação. Para se ter uma ideia, cerca de 70% dos casos atingiram a parte brasileira do “Corredor de Tornados”.
Foi justamente num trecho dessa região que o geógrafo aplicou alguns cálculos para determinar as chances de um tornado acontecer. Os resultados demonstram que o Rio Grande do Sul e São Paulo têm possibilidades equivalentes de sofrerem com esse fenômeno. Na região sul, a área abarca o litoral gaúcho e o entorno do lago Guaíba, enquanto o estado paulista possui mais risco em Itu, no Vale do Paraíba, em Campinas e em Indaiatuba. Vale destacar que, apesar da probabilidade ser equivalente – cerca de 25% ao ano -, a área de risco em terras paulistas abrange um maior número de municípios.
Apesar da preocupação com as consequências advindas de alterações climáticas mundiais, a ocorrência de tornados no país não parece ser decorrente desses fatores. Pelo menos é o que afirma Maria Assunção Dias, professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG-USP). Segundo ela, “pelos jornais e principalmente via internet dá para fazer uma avaliação de que de fato aumentaram os registros. O que não dá para dizer é que sejam devidos a uma causa física, específica, como a mudança climática. O pequeno número de ocorrências não permite tirar conclusões como essa”.
Dias também explica que o monitoramento desses eventos está num ramo da Meteorologia chamado de Previsão a Curtíssimo Prazo, que envolve prazos de previsão de 6 a 12 horas à frente. No Brasil, empresas privadas de Meteorologia, responsáveis por fornecer informações a veículos de comunicação, e empresas ligadas à distribuição de energia são as principais instituições dotadas de tecnologia para fazer essa previsão. Para a professora, no entanto, é necessário um preparo prévio por parte de profissionais que manejam os equipamentos, já que, para prever, é necessária uma interpretação mais profunda dos dados dispostos.
“O monitoramento está baseado principalmente em radares meteorológicos. Mas não basta olhar para a figura gerada pelo radar. É preciso ter gente especializada em interpretar para o fim específico de detectar a probabilidade de ocorrência de tornados, e ventos fortes em geral, associados a tempestades severas. Devido à baixa frequência de ocorrência desses fenômenos, sua previsão na maior parte das vezes não é feita, seja por falta de treinamento do meteorologista de plantão, seja pela falta de protocolos de ação do órgão operacional que faz o monitoramento do tempo”, argumenta.
Já o professor Carlos Rodrigues, também do IAG-USP, argumenta que “deveríamos ter um centro de monitoramento de tempestades severas similar aos Estados Unidos. No momento, os instrumentos que poderiam identificar estes fenômenos (radar meteorológicos) estão distribuídos entre institutos (DECEA, Simepar, Cemaden, SIPAM, Funceme) e universidades, que não conseguem trabalhar em uma integração”.
Além desses pontos destacados, o professor Augusto José Pereira Filho ressalta que seria muito interessante realizar campanhas educacionais para a população, de modo que cada cidadão saiba como proceder em casos de tempestades severas.
Esta notícia foi publicada no site www.jornaldocampus.usp.br, edição: 439 (mai/2015). Todas as informações contidas são de responsabilidade do autor.