Geografia
05/12/2014
O planeta sob pressão
Por Sylvia Miguel“Temos uma janela de oportunidade, mas ela é muito curta. As mudanças climáticas não deixarão nenhuma parte do globo intacta”, enfatizou o presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), Rajendra Pachauri, durante a apresentação da síntese de um novo estudo, no dia 2 passado, em Copenhague, na Dinamarca.
Os novos dados lançados pela comunidade científica já começam a delinear a agenda para a grande conferência internacional do clima, a Cop 21, prevista para o final de 2015, em Paris. A missão dos negociadores será chegar a um acordo global para entrar em vigor em 2020, substituindo o Protocolo de Kyoto. Com tantas evidências sobre a forte influência humana sobre o clima e quase nada de ação, o futuro poderá ser nebuloso, segundo as previsões, se tudo continuar como está. Mas o professor de Relações Internacionais da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, David Victor, que visitou a Faculdade de Direito da USP no dia 22 de outubro, põe em xeque a visão pessimista sobre o futuro climático.
Um dos mais renomados cientistas políticos da atualidade, autor principal do relatório do WGIII – grupo de trabalho sobre mitigações do IPCC – e autor de Global Warming Gridlock, considerado um dos melhores livros de 2011 pela revista The Economist, Victor participou do evento “Climate Change: Brazil and the United States Comparative Vulnerabilities, Regulation and Policies”, promovido pelo Núcleo de Pesquisa em Políticas e Regulação de Emissões de Carbono (Nupprec) do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP.
A conferência internacional integrou a agenda das festividades de 80 anos da USP. O presidente da comissão comemorativa dos 80 anos, o ex-reitor José Goldemberg, abriu o evento ao lado do coordenador do Nupprec, professor Sérgio Almeida Pacca, docente do IEE e da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Também participaram outros integrantes do Nupprec, como os professores Virgínia Parente, do IEE, Ana Maria Nusdeo, da Faculdade de Direito e do IEE, e Paulo Almeida, da EACH.
Em vez de grandes acordos internacionais, Victor fala em “clubes”, ou pequenos grupos, sejam de governos, entidades, sociedades ou empresas, que devem se unir a partir de objetivos comuns e mais específicos para combater o aquecimento. “Acredito que sairá de Paris um acordo muito complexo, do tipo guarda-chuva, abrigando múltiplos acordos de pequenos grupos”, afirma Victor.
Meta equivocada – Política e cientificamente, a meta para limitar o aquecimento em 2° Celsius é equivocada, afirma Victor, pois permite a alguns governos fingir que estão tomando medidas sérias quando na realidade não estão fazendo nada. Cientificamente, “há melhores maneiras de medir o estresse que os seres humanos causam sobre o sistema climático do que o aumento da temperatura média da superfície global”, escreveu em seu mais recente artigo, publicado na revista Nature, de outubro (volume 514).
“Há outros indicadores capazes de sinalizar melhor as consequências do aquecimento, como o nível do mar, evaporação e derretimento das calotas de gelo, entre outras”, afirma o professor José Goldemberg, que participou das negociações mundiais do clima após a Cúpula da Rio 92. “Hoje reconheço uma certa ingenuidade nas negociações passadas, pois essa meta só seria factível se todos, sem exceção, cooperassem.”
“Nem eu nem ninguém sabe qual deve ser a meta adequada. Isso precisa ser negociado entre os diplomatas e deve ser focado naquilo que os governos realmente irão implementar. É possível que a renegociação das metas de longo prazo não ocorram mesmo depois de Paris. Provavelmente vai ser um processo longo e lento até o novo acordo entrar em vigor”, disse Victor ao Jornal da USP.
Mesmo assim, Victor se diz mais otimista em relação ao passado porque os governos cada vez mais estão reconhecendo que pouco realizaram em relação ao clima e, agora, “muitos países estão fortemente engajados em esforços e negociações sérias sobre o tema”. Além disso, mais governos estão reconhecendo que as soluções para o aquecimento irão requerer sistemas mais flexíveis para os acordos e tratados. “No passado, os governos geralmente enxergavam flexibilidade como um inimigo e exigiam metas e cronogramas rígidos, como foi em Kyoto. Agora percebem que esse é um beco sem saída”, disse Victor.
O professor Sérgio Pacca concorda que as soluções do Protocolo de Kyoto não deverão ser estendidas nas negociações futuras do clima. “Kyoto se enfraqueceu com metas não cumpridas, e, portanto, as negociações em Paris deverão buscar alternativas. Espera-se inclusive que sejam abordadas questões complexas da globalização, como a das emissões embutidas no comércio de produtos”, disse Pacca.
Crescimento – Para Victor, estudar os países de forma autônoma e não mais em blocos pode trazer novas luzes sobre as soluções aplicáveis para mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Ele cita o caso dos Brics – o grupo dos países emergentes constituído por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Para o professor, caberá aos líderes dos Brics um papel fundamental para o futuro climático. Os emergentes, que no Protocolo de Kyoto não tinham metas obrigatórias de redução das emissões, entraram para o grupo dos maiores poluidores do planeta e precisarão se engajar em políticas sérias junto às grandes economias, entre elas Estados Unidos e Japão, disse.
O problema agora será estabelecer metas que os emergentes possam cumprir. O sumário executivo do relatório do WGIII mostra que mitigação pode ser tanto um desafio quanto uma oportunidade para essas economias. Isso porque os investimentos nessa frente podem significar custos adicionais. Países pobres e com recursos escassos tenderão a preferir investir no aceleramento da economia, em vez de mitigar. Sobre esse tema, o relatório mostra que em certos casos desenvolvimento e mitigação podem ser metas conflitantes.
“Minha opinião é que quase não há conflito entre crescimento e mitigação, pelo menos para os países mais pobres. As populações muito pobres não causam muitas emissões. O aumento de energia elétrica para os países muito pobres com finalidade de desenvolvimento aumentaria as emissões mundiais em apenas 1% ou2%”, disse Victor ao Jornal da USP.
Os países industrializados contabilizaram uma importante descarbonização de suas economias, devido aos investimentos em pesquisa e inovação, melhor eficiência energética e estrutura da economia baseada em serviços. Em 20 anos, os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mantiveram seus níveis de emissões relativamente constantes. Mas, lembra Victor, se estudados autonomamente, os países têm trajetórias diversas. “Na Europa, onde há um discurso verde e uma propagação de ações voltadas ao ambiente e clima, vemos uma liderança econômica como a Alemanha se carbonizando novamente, pois o gás comprado da Rússia se tornou muito caro.”
Esta notícia foi publicada no site espaber.uspnet.usp.br em 10/11/2014. Todas as informações contidas são de responsabilidade do autor.