Relações Sociais
É comum a palavra desastre gerar desconforto nas pessoas, pois ninguém espera passar por uma situação dessa, principalmente quando se mora no Brasil, que sempre foi reverenciado - pelos menos esclarecidos - como a “terra das maravilhas” onde não há uma intensidade de intempéries naturais de grandes proporções. No entanto, os desastres naturais e os desastres causados pelo Homem vêm aumentando significativamente. Dessa forma, é inegável que, inúmeras vezes, o agravamento do desastre é decorrente de ações das pessoas, antes, durante e após o ocorrido.Partindo desse pressuposto, os desastres naturais, dependendo da intensidade, levam a uma sensação de abandono individual ou coletivo, e ao perder contato com família, amigos, igreja, polícia e outras instituições, o indivíduo é lançado numa espécie de "estado de natureza".
Numa leitura diacrônica temos como exemplo, o terremoto ocorrido recentemente no Chile. Num pronunciamento a presidente declarou: “As forças da natureza golpearam duramente nossa pátria e mais uma vez põem à prova nossa capacidade de enfrentar adversidades e ficarmos de pé”. A preocupação dos governantes em situações como essa, não é só de preservar ou reformar a estrutura física do país, todavia também, de manter fortalecida as estruturas de poder.
Assim como em outros países outrora, no Chile, imediatamente após os tremores ocorreu uma onda de saques a supermercados e farmácias. A prefeita de Concepción (cidade chilena severamente atingida pelo terremoto), Jacqueline Van Rysselberghe, reconheceu que a situação na cidade estava “saindo do controle” por causa do desabastecimento progressivo no local. O problema do Chile é semelhante ao sofrido no Haiti, que no dia 12 de janeiro sofreu com as tragédias após o terremoto que assolou o país. Vale lembrar que, no Haiti, levaram alguns dias até que os saques começassem, porém, na luta pela sobrevivência, pessoas vagavam pelas ruas e saqueavam o que encontravam pela frente – muitas vezes, havia brigas por comida. “Sair do controle” é, nestes casos, quando o poder institucionalizado não tem mais sob seu domínio e vigilância a população.
Essas situações levam o Estado a uma mobilização imediata a fim de restabelecer a ordem. As primeiras providências são de buscar suporte logístico em outros países, tudo o que possa fazer com que a condição de sociedade, naquela região, seja retomada. Quanto maior a organização do Estado, mais rápido e maior a sua capacidade de lidar com as adversidades.
Num paralelo entre Chile e Haiti podemos entender melhor essa afirmação. O Chile sobreviveu, com hematomas, com certeza. O aeroporto fechou, o metrô também, passarelas de rodovias e alguns prédios mais antigos desabaram, vários serviços ficaram paralisados. Mas, a legislação chilena foi aperfeiçoada depois do grande terremoto de 1985. Nos últimos dez anos todos os prédios erguidos no Chile obedecem a normas internacionais para torná-los menos vulneráveis a tremores. País com o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da América do Sul e localizado em uma das regiões com mais abalos sísmicos do planeta, o Chile tem população e construções preparadas para os tremores. Os serviços de emergência também são bem coordenados para dar resposta a esse tipo de evento.
Já no caso de Porto Príncipe, a cidade foi praticamente devastada pelo tremor. Embora os resultados estejam sujeitos a várias ressalvas, estudos confirmam que o terremoto haitiano provavelmente foi o desastre natural mais destrutivo dos tempos modernos, quando considerado em relação ao tamanho da população e à economia do país. Isso porque a estrutura do país não estava preparada para qualquer tipo de desastre. Em magnitude, o terremoto do Haiti foi cerca de cem vezes mais fraco que o chileno, mas o número de mortos foi 1.700 vezes maior. O Haiti é o país com menor IDH da América Latina e sua população já enfrentava problemas de moradia e escassez de alimentos antes do sismo. A pobreza, a falta de estrutura, o despreparo da população e das autoridades ampliaram o impacto da tragédia.
Uma análise mais cautelosa sobre essas situações nos permite inferir que ao construir seu espaço, o ser humano torna-o adequado às suas exigências. Essas transformações dos espaços naturais acompanham as mudanças relacionadas aos interesses culturais, sociais e econômicos do país. Um desastre é a materialização da vulnerabilidade social da região afetada. Certos padrões de desenvolvimento e de exploração, o crescimento insustentável, as diferenças culturais e sociais são elementos que prosperam afim de tornar os desastres naturais mais fatais que sua própria natureza.